Problemas globais demanda conversas globais, acredita acadêmico do MIT

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11:40 am - 21 de janeiro de 2015
2014 marca a transição da internet comercial para o início da sua fase adulta. Ela já passou pela tradicional instabilidade da adolescência, cresceu e ganhou músculos, mas vinte anos depois de seu surgimento muitas de suas promessas não foram concretizadas.

Os ciberutopistas acreditavam que a web colocaria as pessoas em pé de igualdade e diminuiria as distâncias e as barreiras culturais. Entretanto, na opinião de Ethan Zuckerman, diretor do Center for Civic Media do MIT, professor da instituição e autor do livro “Digital Cosmopolitan in the Age of Connection”, esses desejos não se concretizaram. 

“Me decepciona o fato de a internet não ter conectado as pessoas da forma que esperávamos. Ela não ‘diminuiu’ o mundo”, sentencia Zuckerman, que abriu a segunda edição do IT Forum Expo/Black Hat 2014, realizado no final do ano, em São Paulo. Para ele, a internet deveria ser um espaço altamente colaborativo, de construção coletiva, mas falha na busca desse objetivo. 

“O Brasil, no entanto, tem dois bons exemplos de mudança desse cenário com o Marco Civil da Internet e o Programa de Metas do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, compartilhado na web”, observa. 

Em linha com os acontecimentos globais, Zuckerman fala com propriedade sobre o tema. Ele estuda a internet desde seu nascimento. De 1994 a 1999, ele esteve por trás da tripod.com, uma das primeiras empresas on-line de sucesso. Além disso, o professor do MIT foi o criador do modelo de anúncios on-line por meio de pop-ups, utilizado até hoje. Ele também é fundador da organização sem fins lucrativos Global Voices Online, rede para blogueiros, tradutores e jornalistas que querem seguir e reportar notícias globais.

Na entrevista que segue, concedida com exclusividade à Revista IT Forum, Zuckerman relata o que o mundo pode aprender com o Marco Civil da Internet, pontua as mudanças na web, o que ainda precisa ser feito no ambiente virtual e os impactos dessas evoluções nos negócios.

IT Forum 365– Vinte anos depois do surgimento da web comercial, qual seu balanço sobre a internet? 
Ethan Zuckerman – Há muitas coisas interessantes, que me deixam muito animado, mas outras me decepcionam. Me decepciona o fato de a internet não ter conectado as pessoas da forma que esperávamos. Ela não ‘diminuiu’ o mundo. A publicidade virtual também deixa a desejar.

Não é que ela não funcione bem, mas pode ser prejudicial em alguns casos. O que me deixa muito desconfortável é a ideia de que a internet era para ser um espaço para falar em público, trabalhar juntos, mas está sob constante vigilância do governo. Mas construímos esse cenário, individualmente e coletivamente. E mais do que isso, fortalecemos certos padrões de comportamento. Nós podemos mudar isso e fazer operar de forma diferente.

ITF 365 – Como mudar esse cenário? Poderia citar exemplos?
Zuckerman – O Brasil está fazendo algo bem interessante nesse sentido nesse momento. O País começa a resolver alguns problemas políticos de forma diferente de outras nações. Dois exemplos claros mostram isso. O primeiro deles é o Marco Civil da Internet.

Para o resto do mundo é um bom exemplo de como fazer diferente, como envolver as pessoas, já que ele foi totalmente colaborativo construído com a ajuda da sociedade. Outro é o Programa de Metas do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, que estabelece ações de governo compartilhadas e acompanhadas na web. São ideias que o resto do mundo pode se espelhar.

ITF 365 – O que o mundo pode aprender com o Marco Civil da Internet? 
Zuckerman – Ele foi criado por pessoas que conhecem bem tecnologia e leis. Isso não é o que geralmente acontece.
Geralmente, é escrito por pessoas que conhecem bem o governo e quase nada de tecnologia. Ele uniu pessoas com diferentes capacidades e tornou o processo transparente para a comunidade. Esses são os ingredientes de sucesso da iniciativa.

ITF 365 – Qual você acredita ter sido a maior transformação da internet?
Zuckerman – A maior mudança é a da ideia de que a distância tornou-se opcional. Nossa vida na web se resume às mesmas pessoas que vemos todos os dias. Eu vejo meus colegas de trabalho, filhos, mulher, mas também posso escolher o contato com pessoas que vivem longe. Podemos melhorar a relação com pessoas que não conhecemos para cooperar de forma mais abrangente. Essa é uma mudança profunda que devemos viver nos próximos dez anos. Temos alterado radicalmente a forma como a internet nos ajuda a socializar e ainda vemos o mundo.

ITF 365 – Em seu livro e em seus discursos, você relata a urgência de sermos mais colaborativos, mas o que é preciso ser feito para conquistar esse objetivo?
Zuckerman – Acredito que vamos encontrar formas de sermos mais colaborativos e mais sociais na web com pessoas que conhecemos de alguma forma. Mas o mais interessante é estabelecer conexões, obter informações e novidades de partes do mundo de pessoas que não são familiares ou do nosso círculo de relacionamento. Problemas globais precisam de conversas globais.

ITF 365 – E como essa mudança pode impactar nos negócios?
Zuckerman – Distâncias podem ser eliminadas, se você quiser. O mesmo pode acontecer com os negócios. No MIT construímos muitos protótipos e minha mesa está repleta de sensores que medem temperatura, qualidade do ar entre outros. Agora, tentamos, por exemplo, adicionar GPS e monitorar a qualidade do ar em um lugar e uma hora específica. Isso costumava ser difícil de se fazer antes, mas agora não mais. É muito diferente do quadro de dez anos atrás. Construímos coisas em todo o mundo porque estamos melhores em nos livrarmos da distância nas interações. Ainda temos barreiras culturais, é claro, mas podemos ter coisas de todas as partes do mundo. Estamos também melhores em colaboração e aprendendo a trabalhar juntos. Esse é o novo desafio, a nova fronteira da internet.

Revista ITF – As empresas, hoje, estão cada vez mais digitais e usam a internet para impulsionar negócios. O que elas precisam fazer para aprimorar a marca na web?
Zuckerman – Companhias têm de pensar como construir suas marcas com base em seus produtos e serviços, não apenas comprando banners na internet. Promover o engajamento nas mídias sociais tem sido essencial nesse sentido e quem faz isso está na direção correta. Empresas que acreditam que têm de ter uma estratégia digital devem começar se perguntando o que têm a dizer e a oferecer, promovendo uma boa experiência ao consumidor. Pergunte-se: você oferece algo único e poderoso on-line?

Revista ITF – É difícil prever o futuro da web, mas o que acredita que está por vir?
Zuckerman – Gostaria de encorajar as pessoas a construir ferramentas e serviços na web que tornem o mundo um lugar menor. Precisamos de soluções diferentes e o aniversário de 20 anos da web é um bom momento de conversar sobre a internet que queremos e como chegar até lá. Quero convidar os brasileiros a mudar a web porque acredito que isso não vai vir das empresas do Vale do Silício. O Google e o Facebook estão felizes com a internet da forma que é atualmente. Mas acredito que os brasileiros estão bem posicionados para alterar a internet.

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