Pascal Finette: a produtividade pode nos transformar em vegetais

“Nossa produtividade está nas alturas. No processo, nos transformamos em vegetais.” A frase traduz o sentimento de boa parte dos trabalhadores após mais de sete meses da pandemia. E também explica porque a exaustão é uma palavra cada dia mais presente no dicionário dos gestores. O autor da citação é Pascal Finette, cofundador da Be Radical e responsável pela cadeira de empreendedorismo e inovação aberta da Singularity University. O especialista, no entanto, se diz otimista.

Com passagens por Mozilla e Google, Finette deve apresentar suas visões positivas de um futuro tecnológico durante o Silicon Valley Web Conference. O evento gratuito é promovido pelo StartSe durante todo o mês de outubro (a palestra de Finette acontece no dia 26). Durante a conferência, os organizadores prometem reunir mais de cem grandes nomes do Vale do Silício, entre eles Tim Draper, Steve Blank, Nicole Stott e Michael Seibel.

Entre uma chamada de Zoom e outra, o cofundador da Be Radical respondeu às perguntas reportagem do IT Forum 365.  Finette comentou os usos da tecnologia, o boom de startups durante a pandemia e até mesmo o que fazer para evitar que a vida no confinamento chegue ao já comentado estado vegetativo.

Confira os principais destaques da entrevista.

IT Forum 365 — Para algumas companhias, inovar na pandemia era questão de sobrevivência. Algum conselho para quem está passando por essa transformação digital forçada?

Pascal Finette — O que a pandemia fez é que ela pegou um roadmap inevitável, algo que teria acontecido de qualquer forma, e acelerou isso em cinco ou dez anos. Se você é um empreendedor, passou por uma transformação digital forçada, como comerciantes que tiveram que olhar para o e-commerce, por exemplo. Nesse caso, observaria o covid-19 como uma oportunidade. Como algo que acelerou uma tarefa que você deveria realizar de qualquer forma.

IT Forum 365 — Estamos observando um boom de startups tanto nos EUA quanto no Brasil. Como essas empresas podem crescer durante tempos tão complicados?

Pascal Finette — Sim, há oportunidades que surgem da pandemia. Claro, a pandemia tem um custo humano e econômico em todos nós. E, ao mesmo tempo, há um novo mundo de oportunidades, como aprendizado remoto e à distância. Se posso dar uma dica para essas companhias, diria para ficarem ligadas ao que vocês pensam e identificam como mudanças duradouras em comparação com mudanças que são temporárias, que só estarão por aqui por um período determinado.

Por exemplo, se você quer ser designer de máscaras tem um bom negócio hoje. No entanto, com sorte, assim que deixarmos a pandemia, não será mais necessário vestir máscaras. Então, seu negócio se foi.

IT Forum 365 — A pandemia expôs uma série de problemas sociais. Entre eles, observamos  pessoas se expondo para trabalhar em plataformas de entrega e caronas entregando produtos para pessoas confinadas em suas casas. Acha que a tecnologia pode nos ajudar a abordar e resolver essas questões?

Pascal Finette —Acho que é importante ter essa conversa. Sobre aqueles de nós que têm sorte de trabalhar confortavelmente na frente de um computador e se expõe menos e as pessoas que precisam dirigir um Uber ou entregar comida e estar potencialmente mais expostos. Ou, claro, se você está no setor de saúde, na linha de frente você também está exposto.

Acho que esse é um problema social e que nós precisamos criar um sistema social e estruturas de suporte para pessoas que estão, francamente, arriscando suas vidas para que as outras partes da população vivam. Gostaria de ver mais reconhecimento do trabalho incrível que essas pessoas estão fazendo. Em termos de tecnologia, a resposta é sim e não.

Eu acho que a tecnologia pode ajudar, vimos a tecnologia nos ajudar a criar testes melhores e mais rápidos de Covid-19 ou o desenvolvimento de melhores equipamentos de proteção, por exemplo. Mas, [essa questão] é algo que ainda precisa ser mais trabalhado, sem dúvidas.

IT Forum 365 — Em algumas das suas palestras você comenta ruptura e distopia. Acha mesmo que a tecnologia pode nos levar para uma distopia?

Pascal Finette — Antes de mais nada, você escuta por aí o argumento de que a tecnologia não é boa ou ruim. E que nós, humanos, é que criamos significado para ela. Eu não acho que não é verdade, a tecnologia inerentemente possui uma tendência. Acho que a maioria das tecnologias pode ser usada para os dois, mas sou uma pessoa otimista. Fazemos mais coisas boas do que ruins com a tecnologia. Mas, acredito que precisamos nos tornar mais conscientes disso. É imperativo nos forçarmos a pensar nas implicações antes dos fatos. O que é [o oposto] da mentalidade “seja rápido, quebre coisas e depois limpe”. Precisamos pensar antes de construirmos coisas.

Acho que regulamentação tem um papel nesse processo para garantir que o que entreguemos seja útil para a humanidade. A regulamentação tem uma má reputação e normalmente é executada de maneira errada, mas possui um papel nos nossos sistemas societais.

IT Forum 365 — Na sua newsletter, você tem uma frase sensacional: ‘nossa produtividade foi até o teto. No processo, nos tornamos vegetais’. Pode comentar um pouco o que ela representa e como fugir do loop de reuniões pelo Zoom?

Pascal Finette — Obrigado pelo ‘sensacional’. Eu gostaria de dar uma boa resposta para essa pergunta. Eu também estou preso em um loop de chamadas pelo Zoom. Mas, acho que nós temos garantir e adaptar nossas normas e comportamentos para esse novo mundo.

Algo muito simples é, no começo da pandemia, eu cai na armadilha de agendar uma reunião após a outra e acabei com uma agenda na qual eu precisava comer na frente do computador. Estou melhorando nesse sentido. Há mais coisas simples também: você não precisa sempre fazer uma chamada de vídeo. Porque não pegar o celular e andar um pouco ou, ao menos, sentar no sofá para variar. Acho que existem normais sociais e limites que precisam ser estabelecidos para nós mesmos e nossos colegas. Eu tenho confiança que vamos chegar lá, mas não é fácil. Vamos garantir que ninguém se torne um vegetal produtivo.