Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, me falou uma frase marcante quando trabalhei na Gávea Investimentos, um pouco antes da aquisição pelo JP Morgan: A empresa são as pessoas e os sistemas.

Tive a sorte de ser a pessoa que fazia e usava os sistemas. Saí da área de TI e trabalhei como analista de operações, conferindo valores de cotas de fundos. Para fazer o trabalho de um analista de operações, construí sistemas que automatizaram boa parte das tarefas. Ainda assim, o sistema nunca foi capaz de eliminar a função de analista de operações.

Quando deixei de estar neste cargo para ser líder de tecnologia, tivemos que contratar outra pessoa para exercer o meu papel anterior. O que realmente potencializou a área de operações foi o fato de ter tido autonomia para melhorar o sistema usado para analisar as próprias operações. Isso é uma grande habilidade dos líderes que conseguem produzir essa cultura de autonomia e melhoria contínua nos seus times.

Afinal, se estão mudando o sistema, é sinal de que aprenderam algo que vai deixar a plataforma mais eficiente. Sempre me senti mais à vontade com sistemas do que com pessoas. Aliás, esse é o dilema banal dos líderes de tecnologia. Treinados para lidar com sistemas, têm dificuldade de lidar com pessoas, o que é evidentemente difícil na hora de liderar.

Com o comportamento das pessoas passando a ser moldado pelas telas e sistemas digitais, profissionais de tecnologia foram forçados a entender mais de pessoas. Hoje são menos o estereótipo de “nerd antissocial” e mais o “inventor visionário”. A tecnologia não muda só o papel do líder de tecnologia. Ela muda o papel de todos os líderes, transforma a relação entre as lideranças entre si e entre os membros do seu time.

Recentemente escrevi um artigo sobre ‘“o fim dos CTOs” e ele gerou bastante repercussão. Nele comentei essa transformação dos CTOs em CEOs e vice-versa. Muita gente trouxe o exemplo da XP Investimentos, que recentemente anunciou o novo CEO, Thiago Maffra, um ex-diretor de tecnologia.

Esse próprio exemplo da XP reforça o que eu falava. Tanto o papel do CEO não vai substituir o do CTO, que para assumir a presidência da XP, o Thiago Maffra deixou de ser diretor de tecnologia. Papel esse que será exercido por outra pessoa. Papéis do CEO e do CTO continuam existindo. E é a própria tecnologia que muda a relação entre CEOs e CTOs.

Um outro tipo de comentário que me chamou a atenção foi o estabelecimento de um paralelo do CTO com o CMO, o Chief Marketing Officer ou diretor de marketing. Agora a tendência é o CMTO — dizem. O Chief Marketing Technology Officer é uma posição que reúne as responsabilidades do tradicional CMO e do CTO. Para muita gente, os CMOs vão ser substituídos pelos CMTOs. Será?

CTOs e CMOs precisam vestir sapatos coloridos e gosto dessa discussão. A tecnologia realmente modifica a atuação dos executivos de todas as áreas das empresas. Elas vão continuar existindo, mas exigindo cada vez mais conhecimento sobre tecnologia dos seus líderes e analistas.

Um time de marketing, hoje, precisa ter todas as skills necessárias para colocar de pé, e bem rápido, todo um conjunto de soluções, que, alguns anos atrás, só a área de TI conseguia: Landing pages, automações, dashboards, controle de métricas, crawlers, integrações, hacks, etc.

Não é viável para o marketing depender da TI para construir tudo que precisa experimentar.

Na minha visão, o caminho natural continua sendo o marketing descobrir novos produtos com seus experimentos. E depois passar a bola para a TI criar uma solução mais escalável em cima do que mais deu certo. Basicamente, a tradicional relação entre o CMO e o CTO continua intacta.

Agora, essas particularidades de CMTO, ou Growth Hacker, em que cada hora o pessoal de marketing inventa um nome, funciona muito bem para vender cursos online. Na prática, o papel do CMO não vai acabar ou se fundir com o CTO, as pessoas de marketing não vão se tornar developers. É só o nível de conhecimento sobre tecnologia dos profissionais de marketing que vai continuar aumentando cada vez mais. E assustadoramente.

*Miguel Fernandes é sócio da edtech Witseed

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