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Novas tecnologias invadem os RHs e transformam o recrutamento de profissionais

As startups estão invadindo a área de recursos humanos (RH). O avanço fica nítido pelas cifras desse mercado: o investimento global em empresas novatas do setor saltou 75% entre 2017 e 2018. Desde 2009, US$ 16 bilhões foram aportados em 2.918 HR Techs – como são chamadas as startups de RH –, conforme levantamento da CB Insights, empresa americana de pesquisa.

 

Tamanho potencial começou a ser visto nos últimos anos no Brasil. Claro que ainda os números não são bilionários, mas há uma quantidade crescente de empreendedores dispostos a oferecer soluções tecnológicas e novas plataformas para melhorar processos e atividades antes burocráticas no RH.

 

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No ano passado, a aceleradora Liga Ventures, em parceria com o Ibmec, mapeou 122 HR Techs, espalhadas por todo o país, com maior concentração em São Paulo. Um estudo feito recentemente pela empresa de inovação ACE, ao qual o IT Trends teve acesso, garimpou 166 startups que facilitam a jornada do departamento de RH, incluindo recrutamento e seleção, people analytics (análise de perfil de pessoas), engajamento e treinamento de colaboradores.

 

A potiguar Cammila Yochabell, formada em petróleo e gás, encontrou na área de gestão de pessoas uma oportunidade de empreender. Em 2016, enquanto estudava inglês na Nova Zelândia, participou de um processo seletivo, mas não conseguiu avançar justamente por causa da distância. Na ocasião, sua ideia de gravar um vídeo-currículo não foi aceita pela empresa recrutadora e ela perdeu a chance. Mas teve o estalo: por que não criar uma plataforma de vídeo-currículo? Daí nasceu a Jobecam.

Tecnologia para soluções de seleção, people analytics, engajamento, treinamento e até vídeo-currículo estão mudando a forma com que as empresas contratam

 

Não demorou muito para o negócio ganhar corpo e atrair investidores. Em 2017, a startup participou do programa de aceleração da Oracle. No ano passado, recebeu investimento-anjo da People+Strategy, consultoria empresarial focada em planejamento estratégico e desenvolvimento humano. Em abril deste ano, a Jobecam captou a segunda rodada com participação da empresa de tecnologia BRQ Digital Solutions e investidores do Harvard Angels, um dos mais relevantes grupos de anjos. “Abrimos recentemente outro ‘round’ para ter escalabilidade. Agora a tecnologia está bem bacana e é hora de virar a chave”, conta Cammila.

 

No início, a startup ofereceu a plataforma em versão de teste para mais de mil empresas. Com a solução validada, o momento é de converter as companhias em clientes. Hoje, a empresa atende nomes fortes como Oracle, Brookfield Incorporações e Protege (segurança privada e corporativa). A expectativa é atrair mais clientes com uma ferramenta de entrevista às cegas, lançada em 2018.

 

Funciona assim: a plataforma apresenta o vídeo-currículo e informações complementares depois de a empresa recrutadora ouvir a experiência do candidato e decidir pela contratação. Na prática, significa avaliar as pessoas por suas habilidades e competências, eliminando possíveis vieses inconscientes no processo de recrutamento e seleção. “Estamos fazendo com que pessoas que, até então não eram percebidas, passem a ter oportunidades. Isso inclui negros, mulheres, homossexuais”, explica.

 

Criada em 2012, a Convenia oferece para empresas, principalmente de pequeno e médio porte, um software na nuvem que automatiza processos burocráticos da área de RH, como admissão, férias, benefícios, folha de pagamento e desligamento de colaboradores. O negócio despertou interesse de startups como Loggi, Samba Tech e Rock Content. Ao todo, a plataforma atende quase 400 mil funcionários de empresas de diferentes segmentos, conta o administrador Marcelo Furtado, CEO da Convenia.

 

A empresa segue o ritmo de crescimento exponencial, como dita a cartilha de evolução de startups. Neste ano, a expectativa é dobrar a receita, como ocorreu em 2018 – a startup não abre números de faturamento. Para fortalecer a expansão, a Convenia está prestes a inaugurar um polo de desenvolvimento de software em São José do Rio Preto, interior de São Paulo. O novo escritório se somará ao que hoje abriga cerca de 70 funcionários na região dos Jardins, em São Paulo.

 

Mudanças no perfil do profissional de RH

 

Segundo o empreendedor, nos últimos anos o profissional de RH passou a se interessar mais por novas plataformas e tecnologias. “Em 2013, a discussão era muito sobre o que é tecnologia em nuvem, startup, ou seja, convencer as empresas do básico. Hoje, o RH já chega querendo mudança e sabendo das opções, querendo testar novas tecnologias”, avalia Furtado, que também ministra um curso de atualização em gestão de pessoas 4.0 na ESPM.

 

“Há 30 anos, o RH era um departamento de uma pessoa só. Alguém do administrativo, que cuidava das contratações, demissões e folha de pagamento das empresas. Era um trabalho puramente burocrático. Com o uso cada vez mais massivo de tecnologias, o papel do RH se transformou e expandiu”, destaca a ACE em seu report. Trata-se de uma mudança cultural que tem claro, a tecnologia como um pano de fundo muito importante.

“Há 30 anos, o RH era um departamento de uma pessoa só. Alguém do administrativo, que cuidava das contratações, demissões e folha de pagamento das empresas. Era um trabalho puramente burocrático”

A transformação em curso no RH bebe da fonte de outros segmentos. Não à toa, os profissionais da área deixam de ser generalistas ou especialistas para ter conhecimento multidisciplinar. Isso envolve saber analisar dados, exemplifica Furtado. “Por muito tempo, o RH se preocupou com a parte burocrática, mas não pessoas. É importante que o RH, e estou vendo cada vez mais acontecer, tenha um pensamento orientado para resultados, com indicadores”, diz. Em suma, adaptação é a palavra-chave.

 

Cada vez mais o RH se torna um parceiro importante do alto escalão das empresas, como uma figura próxima ao CEO e ao conselho de administração, por exemplo. “Estamos num momento de ajudar o RH a aumentar seu impacto estratégico nas empresas”, analisa Francisco Homem de Melo, fundador e CEO da Qulture Rocks, plataforma de gestão de desempenho.

 

Criada no início de 2015, a startup dispõe de ferramenta de feedback instantâneo e online, plataforma que ajuda o líder a coletar o sentimento dos colaboradores e um mural de “reconhecimento social”, como um feed de notícias em que os funcionários podem compartilhar elogios, críticas e comentários uns com os outros. “Antigamente, as ferramentas que um gestor tinha para fazer o sucesso dos colaboradores eram rudimentares, como avaliação de desempenho anual”, explica Melo.

 

A empresa passou pelo programa de aceleração da americana Y Combinator, no Vale do Silício. Logo atraiu olhares de fundos de venture capital, como Canary (que tem entre os investidores Julio Vasconcellos, fundador do Peixe Urbano), Redpoint eventures e Astella Investimentos. Com quase 200 clientes, Qulture Rocks atende startups como Nubank, Movile (dona do iFood) e Viva Real. Mais recentemente, a plataforma começou a chamar atenção de empresas com mais de 10 mil colaboradores, como bancos e indústrias.

 

Inteligência artificial a serviço do recrutamento e seleção

 

Por falar em grande empresa, foi na gigante Ambev que a administradora Mariana Dias teve a vontade de montar um negócio na área de RH. Ali, em 2015, a pergunta era: como melhorar a experiência de recrutamento e seleção, de um processo burocrático para uma atividade mais assertiva e rápida? Mariana foi atrás da resposta ao lado de Bruna Guimarães, que também atuava no RH da Ambev. Para ajudar na tecnologia e nas vendas da Gupy, Mariana chamou para o desafio dois sócios: Robson Ventura, então arquiteto de dados no Hotel Urbano, e Guilherme Dias, irmão de Mariana que atuava como consultor no EloGroup e trazia a experiência em marketing.

 

Os empreendedores venderam a ideia, ainda sem uma linha sequer de código, para a Kraft Heinz. Deu certo. Com a confiança da gigante, a startup desenvolveu a primeira versão da plataforma, ainda em 2015. No ano seguinte, a empresa integrou o programa de aceleração da Wayra, da Telefônica. O negócio já recebeu dois aportes – o primeiro de R$ 1,5 milhão em 2018 e o segundo, neste ano, no valor de R$ 11,5 milhões.

 

“Temos conseguido nos consolidar como startup de recrutamento e seleção. O desafio é ganhar mercado no Brasil. Hoje, ainda vemos concentração em empresas do Sul e Sudeste”, afirma Guilherme Dias, sócio-fundador e diretor de marketing da Gupy. Na lista de cerca de 400 empresas que utilizam a plataforma da Gupy estão nomes como Ambev, Grupo Pão de Açúcar, Cielo, UOL e Quinto Andar.

 

Segundo o empreendedor, quando a startup começou a falar do uso de inteligência artificial para recrutamento, havia certo preconceito. Hoje, o cenário é outro: o profissional de RH está mais aberto e entende a contribuição da tecnologia no dia a dia. A Gupy oferece, inclusive, conteúdos em vídeo, e-books e podcasts para os clientes. Recentemente, também lançou a Gupy Academy, com cursos de recrutamento e seleção de alta performance e “employer branding” (marca empregadora).

 

Com tantas tecnologias e mudanças aceleradas, não há dúvida de que a área de RH está passando por uma forte transformação. Daí a necessidade do profissional se preparar para o novo cenário. As habilidades não são poucas e passam, invariavelmente, por competências socioemocionais, ou seja, características tão humanas que as máquinas não vão conseguir substituir.

 

Segundo Rodrigo Vianna, CEO da Mappit, empresa do Talenses Group especializada no recrutamento em vagas de início de carreira, a lista de habilidades inclui: resiliência, inteligência emocional, flexibilidade cognitiva, agilidade, criatividade, tomada de decisões e resolução de problemas em ambientes complexos. É desafiador, claro, mas quanto antes começar a se preparar, melhor.

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