Drex vs. futuro com IA: duas visões para o dinheiro inteligente disputam o Brasil

Na Febraban Tech 2025, projeto piloto do BC convive com visão de dinheiro 100% autônomo movido por inteligência artificial

Author Photo
1:43 pm - 11 de junho de 2025
Guga Stocco, fundador da RedMind Creative Capital. Foto: Febraban Tech 2025

Na Febraban Tech 2025, dois painéis traçaram a cartografia de um novo sistema financeiro. Em um deles, Guga Stocco, fundador da RedMind Creative Capital, desenhou o futuro autoexecutável das finanças, um lugar em que a IA e o blockchain assumem o controle. No outro, executivos do Bradesco, Itaú, ABBC e Banco Central detalharam os bastidores do Drex, a moeda digital brasileira.

O dinheiro que pensa e age

“Você confiaria sua carteira ao algoritmo? Sem banco, sem corretora, sem intermediário?”. A provocação de Guga Stocco, especialista em inovação e transformação digital e fundador da Remind Creative Capital, ecoou pelo auditório da Febraban Tech como um prenúncio do que está por vir. Para ele, estamos na transição para o “Money 3.0” — a evolução do dinheiro inteligente e autônomo.

A visão de Stocco é radical: um futuro em que chatbots autônomos descentralizados (DACs) transacionam no blockchain com carteiras integradas, executando regras predefinidas sem interferência humana. “O dinheiro com IA já chegou”, afirmou, apresentando exemplos como agentes de investimento autônomos que alocam fundos em portfólios diversificados com base nas preferências do usuário, e consultores financeiros movidos por IA personalizada que analisam renda e gastos para oferecer conselhos em tempo real.

O conceito central é a “convergência” entre inteligência artificial (IA) e blockchain, em que a IA funciona como o cérebro (redes neurais, machine learning, algoritmos) e o blockchain como o esqueleto (contratos inteligentes, DAOs, DeFi). “Executar confiança”, resumiu Stocco, referindo-se à capacidade de criar sistemas que dispensam intermediários tradicionais através de algoritmos transparentes.

Sua proposta vai além dos sistemas atuais. Enquanto hoje temos plataformas que centralizam diferentes serviços financeiros sob controle de um “middle man” algorítmico, o futuro seria uma sociedade descentralizada em que agentes autônomos negociam, compram, vendem e interagem com protocolos DeFi sem supervisão humana. É a evolução da web: “Web 1.0 era ler, Web 2.0 ler e escrever, Web 3.0 ler, escrever e executar, e Web 4.0 será ler, escrever e pensar.”

Leia também: Brasil tem protagonismo na tokenização, mas segurança e infra são desafios

Drex: o laboratório do futuro

Do outro lado do centro de convenções, o painel “Passo a passo do Drex” mostrava que essa visão futurista já tem uma versão beta rodando no Brasil. Rogério Antônio Lucca, secretário-executivo do Banco Central, detalhou os três estágios de desenvolvimento da moeda digital brasileira, cada um aproximando o País dessa realidade autoexecutável.

“Toda a discussão de moeda digital nasce com a evolução dos modelos de negócio e da tecnologia”, explicou Lucca. O primeiro passo foram seminários e laboratórios conceituais. O segundo, uma prova de conceito com 16 consórcios testando casos específicos — mas aqui surgiu o primeiro obstáculo: a tecnologia disponível não atendia requisitos essenciais como privacidade e sigilo bancário, forçando uma reformulação.

Agora, na terceira fase, 13 casos de negócio estão sendo finalizados, com foco predominante em dois pilares que ecoam as previsões de Stocco: facilitação de crédito através de comprovação programável e utilização de ativos tokenizados como garantia. Dos 13 casos, cinco envolvem diretamente a mobilização de ativos como garantia de crédito, exatamente o tipo de automação financeira que Stocco prevê como padrão no futuro.

Leandro Vilain, CEO da ABBC, destacou dois casos práticos que já operam nessa lógica: a Cédula de Crédito Bancário (CCB) tokenizada e o crédito colateralizado com garantias digitais. “Ficou clara a questão do depósito tokenizado”, afirmou, referindo-se à capacidade de transformar ativos tradicionais em tokens programáveis, a base técnica para os contratos inteligentes que Stocco imagina controlando carteiras autônomas.

Os desafios da transição

Larissa Santos Moreira, group product manager do Itaú Unibanco, trouxe a perspectiva das instituições tradicionais sobre essa transformação. “A agenda do Drex tem desafios não só tecnológicos, mas também conceitual e regulatório. Alguns papéis e responsabilidades passam a deixar de fazer sentido”, observou, uma admissão de que o sistema financeiro atual precisará se reinventar conforme a automação avança.

Fernando Freitas, superintendente sênior do Bradesco, organizou essa transformação em três pilares estratégicos: estrutura de gestão de ativos digitais, eficiência operacional por meio de stablecoins, e a construção de uma nova infraestrutura para o setor financeiro. É precisamente essa nova infraestrutura que permitirá os cenários descritos por Stocco.

Mas os executivos também apontaram obstáculos que vão além da tecnologia. Vilain expressou preocupação com “fatores não tecnológicos”, como transformar sistemas complexos em interfaces simples para usuários, e resolver disputas judiciais em um ambiente automatizado. “Como solucionar uma liquidação que não foi feita, um vazamento de dados?”, questionou.

Governança do futuro descentralizado

A questão da governança emerge como o ponto de tensão entre a visão descentralizada de Stocco e a realidade regulatória atual. Quando questionado sobre quem controlará o Drex, Lucca foi cauteloso: “Não existe uma definição, é uma discussão conjunta que não depende só do Banco Central, por ser uma plataforma distribuída.”

Essa indefinição reflete o desafio central: como regular um sistema que, por design, pretende dispensar reguladores? Stocco argumenta que o futuro pertence a organizações autônomas descentralizadas (DAOs) e agentes que operam sem supervisão humana, enquanto o Banco Central ainda busca equilibrar inovação com controle sistêmico.

Lucca fez questão de diferenciar o Drex do PIX. “A questão do varejo foi resolvida no Brasil com o PIX. O Drex trata de serviços diferentes, tokenizados.” Mas essa distinção pode ser temporária: se as previsões de Stocco se concretizarem, a fronteira entre pagamentos tradicionais e transações autoexecutáveis tenderá a desaparecer.

O impacto na sociedade

Para Stocco, as implicações vão muito além do sistema financeiro. O “dinheiro autoexecutável” democratizará acesso a serviços sofisticados. Usuários comuns terão agentes de investimento personalizados que hoje só estão disponíveis para fortunas. Startups evoluirão naturalmente para DAOs, governos e bancos precisarão se adaptar, e investimentos serão executados sem viés humano.

O Drex, nesse contexto, funciona como um laboratório nacional dessa transição. Cada caso de uso testado — desde CCBs tokenizadas até contratos de crédito automatizados — estabelece precedentes técnicos e regulatórios para o futuro que Stocco descreve.

Entre o presente e o futuro

A pergunta que paira sobre ambos os painéis não é se essa transformação vai acontecer, mas em que velocidade e sob qual modelo de governança. Enquanto o Banco Central navega cuidadosamente entre inovação e estabilidade sistêmica, os agentes autônomos de Stocco já começam a operar nas margens do sistema financeiro tradicional.

Siga o IT Forum no LinkedIn e fique por dentro de todas as notícias!

Author Photo
Pamela Sousa

Pamela Sousa é repórter no IT Forum, graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Com mais de três anos de experiência na produção de conteúdo, especializa-se na cobertura de tecnologia, inteligência artificial e inovação, desenvolvendo reportagens aprofundadas e artigos analíticos sobre o impacto dessas tecnologias nos negócios e na sociedade.

Author Photo

Newsletter de tecnologia para você

Os melhores conteúdos do IT Forum na sua caixa de entrada.