Dia Internacional da Proteção de Dados: regulação de IA é chave?

Advogadas especializadas em direito digital esclarecem sobre as discussões em todo o mundo sobre Inteligência Artificial

Author Photo
5:02 pm - 26 de janeiro de 2024
Patricia Peck e Gisele Truzzi

No próximo dia 28 (domingo), é comemorado o Dia Internacional da Proteção de Dados. E, com o rápido avanço da Inteligência Artificial (IA) e suas aplicações nos negócios, a necessidade de regulamentação para lidar com questões éticas e legais relacionadas ao seu uso torna-se premente. Patricia Peck, advogada e especialista em direito digital, considerada uma das maiores autoridades do Brasil nesse campo, acredita ser fundamental o debate do tema.

Para ela, a complexidade na regulamentação da IA no Brasil reside na necessidade de estabelecer regras comuns e diretrizes de uso em meio à diversidade social e cultural do País. “A missão é complexa devido aos diversos tópicos envolvidos, como questões éticas, transparência dos sistemas e a redução de riscos relacionados ao mau uso e aplicação maléfica, especialmente no contexto da criminalidade”, lista.

A especialista destaca a importância, no entanto, de fomentar a inovação sem sufocar a evolução da IA, tal qual aconteceu com tantas outras tecnologias de consumo disruptivas como Uber e Spotify. Ao mesmo tempo, alerta, a ética necessita de regras específicas e rígidas para evitar discriminação. “A realidade social do Brasil, marcada por desigualdades, impõe a necessidade de uma abordagem única para a classificação de risco dos sistemas”, pontua.

A evolução constante da IA também se torna um desafio adicional. Com o surgimento das IAs generativas e a complexidade das redes neurais, a criação de leis modernas que não caiam em obsolescência é uma tarefa complexa. A velocidade do desenvolvimento da tecnologia impõe a dificuldade de criar uma legislação que se mantenha relevante ao longo do tempo, alerta.

Riscos legais

Segundo Patricia, a propagação da IA em atividades nocivas, como deepfakes, golpes e crimes virtuais, destaca a urgência de uma regulamentação eficaz. A falta de regulamentação, reitera, pode levar a ações irresponsáveis, ignorando aspectos cruciais como privacidade e proteção de dados pessoais.

A especialista aponta para a necessidade de um “sandbox regulatório”, permitindo o aprimoramento da IA por meio de seu uso, mas destacando a importância de requisitos pré-estabelecidos, como princípios de ética, privacidade e segurança.

Gisele Truzzi, CEO da Truzzi Advogados, complementa ao dizer que as discussões sobre a regulação da IA no Brasil começaram em 2020, com o Projeto de Lei (PL) nº 21-A. Contudo, esse projeto teve baixa participação social e recebeu muitas críticas. Três anos depois, surgiu o PL 2338/2023, que propõe melhorias significativas no cenário da IA no país.

“Este novo projeto de lei visa aperfeiçoar o desenvolvimento, a implementação e o uso responsável de sistemas de IA. O objetivo é proteger os direitos fundamentais e assegurar a implementação de sistemas seguros e confiáveis, beneficiando a sociedade, o regime democrático e o progresso científico e tecnológico”, comenta.

Além disso, ela explica que existem diferenças entre “Regular a IA x Regular o Uso da IA”. Ao falar em regulamentação da IA, é importante entender que não estamos regulamentando a própria IA, mas sim o uso dessa tecnologia. É fundamental garantir o uso ético e responsável da IA, com mecanismos de governança adequados. “As principais áreas de incidência legislativa são: tutela de direitos, mecanismos de governança e autoridade competente. No Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) se colocou à disposição como órgão competente para atuar à frente da regulação de IA.”

Pontos positivos e negativos da regulação da IA

As discussões em torno da regulamentação têm seus prós e contras. Gisele cita alguns deles:

Pontos positivos

  • Segurança e confiança: a regulação da IA pode garantir padrões de segurança mais consistentes e a conformidade prática com a ética e os direitos fundamentais. Isso é essencial para criar confiança na tecnologia.
  • Proteção de dados e privacidade: regulamentações de IA podem proteger os dados pessoais e a privacidade dos usuários, minimizando o risco de uso indevido de informações sensíveis.
  • Automação de tarefas complexas: a IA pode corrigir e padronizar grandes quantidades de informações, ampliando nossa capacidade humana limitada. A IA é melhor que nós em realizar certas tarefas que podem ser automatizadas.

Pontos negativos

  • Manipulação de contextos: somos seres influenciáveis e estamos sempre ligados à tecnologia. Por isso, é preciso ter cuidado com possíveis manipulações, como no contexto político, eleitoral, ou até mesmo na influência de nossos gostos pessoais.
  • Retardamento da inovação: regulamentações rigorosas podem desacelerar a inovação, tornando mais difícil para as empresas desenvolverem e lançarem novas tecnologias.
  • Falta de especialização regulatória: muitos órgãos reguladores carecem de conhecimento especializado em IA, tornando difícil a formulação de regulamentos eficazes e flexíveis para novas ideias e avanços tecnológicos.

Exemplos que vêm de fora

Patricia menciona que poucos países têm leis específicas para IA, citando China, EUA, União Europeia e Japão. Ela destaca o modelo setorizado adotado pelos EUA, aproveitando agências reguladoras existentes, como uma abordagem promissora para o Brasil. Recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), além de experiências internacionais e pesquisas acadêmicas, podem servir de base para a criação de uma legislação nacional.

A especialista ressalta a velocidade de desenvolvimento da IA como um desafio na aplicação prática das regulamentações propostas. A constante evolução das ferramentas de IA exige emendas e atualizações frequentes da legislação. Ela também destaca a necessidade de uma lei eficaz e territorialmente abrangente, acompanhando a dinâmica internacional da IA e adaptando-se ao seu constante desenvolvimento.

Diferenças da regulação de IA nos países

Diferenças da regulação de IA nos países. Fonte: Gisele Truzzi

*Com colaboração de Laura Martins

Siga o IT Forum no LinkedIn e fique por dentro de todas as notícias! 

Author Photo
Déborah Oliveira

Editora-chefe e diretora de Conteúdo do IT Forum, Déborah Oliveira é jornalista com mais de 17 anos de experiência na área de TI. Tem passagens pelas redações da Computerworld, CIO e IDG Now!. Bacharel em Jornalismo, com graduação executiva em Marketing, e MBA em Marketing. Em 2018, foi vencedora do prêmio de melhor Jornalista de TI no Brasil, do Cecom. Em 2019 e 2020, foi destaque do mesmo prêmio na categoria Telecom. É uma das autoras do livro “Da Informática à Tecnologia da Informação – Jornalistas Contam Suas Histórias”, pela editora Reality Books, lançado em 2020.

Author Photo

Newsletter de tecnologia para você

Os melhores conteúdos do IT Forum na sua caixa de entrada.

 

Pular para a barra de ferramentas