Mulheres relatam como driblam preconceito na TI

Não é segredo. A área de tecnologia da informação (TI) é composta por muito mais homens do que mulheres, fazendo com que elas tenham de lidar, todos os dias, com situações de preconceito e, muitas vezes, exclusão. Foram exatamente esses os temas abordados por cinco jovens mulheres no painel “Somos todas mulheres de tecnologia”, durante a Campus Party, que segue até domingo (5/2), em São Paulo.
Camila Achutti, referência mundial na luta por mais mulheres na tecnologia, era uma delas. Ela conquistou o prêmio Women of Vision 2015, sendo a primeira estudante latina a receber tal honra. Fundadora do blog Mulheres na Computação e Cientista da Computação, Camila relata que há seis anos passou a olhar com mais atenção para a questão de gênero na TI.
Segundo ela, tudo começou na universidade, quando ela a única mulher da turma e por muitas vezes foi motivo de piada entre os colegas. “Ao longo dos anos, me muni de respostas para eliminar o preconceito. Eu dizia: ‘você sabia que graças a uma mulher, a Ada Lovelace [primeira programadora da história] você está sentando aqui estudando tecnologia?’”, disparou, completando que existe muito preconceito na área e uma das formas de reduzir essa questão é fomentar discussões do tipo.
Ela lembrou, ainda, que o fato de muitas mulheres terem medo de vestir a camisa e dizer que são de tecnologia, acaba fortalecendo a questão das diferenças. “Ainda temos muito medo de bater no peito e dizer ‘sou de tecnologia’. Ser de tecnologia não necessariamente é ser programadora”, reforçou.
Gabriela Agustini, fundadora e diretora do Olabi, empreendimento social focado em inovação, tecnologia e criatividade, e integrante da rede internacional de fablabs, também não passou ilesa por situações do tipo. Quando ela e sua sócia buscavam um investidor-anjo para o negócio, foram questionadas por dois homens sobre a possibilidade de elas engravidarem ao mesmo tempo e isso precisava estar na análise de evaluation da startup. “Os dispensamos”, relatou.
Angela Toth, formada em Rádio e TV e atualmente monitora de crianças no Mundo Maker, lembrou diversas situações com as quais esteve diante de preconceitos. Em uma delas, quando organizava workshops para mulheres, foi orientada a escolher temas “mais fáceis” para elas, e “mais complexos” para eles. “É algo enraizado. É cultural e o pior é quando as próprias mulheres têm preconceito”, apontou, citando que em muitas vezes já ouviu de colegas “não sirvo para isso, pois sou mulher”.
Concordou com Angela, Iana Chan, jornalista formada pela ECA/USP e fundadora da PrograMaria, iniciativa que tem como missão empoderar mulheres por meio da tecnologia e da programação. “A diferenciação acontece desde quando somos ensinados que existem brincadeiras e brinquedos para meninos e outros para meninas”, refletiu.
Buh D’Angelo assentiu. Especializada em eletrônica, formada em automação industrial e robótica, ela é cofundadora da InfoPreta, única empresa de tecnologia e inovação onde só trabalham mulheres negras. Ela contou que no seu caso o preconceito é o triplo do normal, por ser negra e homossexual. “Eu já sofri racismo e homofobia e não tive muitas oportunidades de trabalho”, contou.
Atração de talentos mulheres
As participantes do painel concordaram que discutir o tema e compartilhar histórias com as empresas tem feito a diferença e pode caminhar para uma mudança mais efetiva. Algumas evoluções são vistas, como a contratação de mais mulheres por parte de companhias de tecnologia. Questionadas sobre o tema, elas apontaram uma série de desafios nesse contexto.
“Muitas empresas chegaram até mim falando sobre uma norma de que, pelo menos, 30% da área técnica tem de ser composta por mulheres. A questão é que na base não há investimento em formação. Acredito que muito da demanda é marketing”, apontou Camila.
Sobre o tema, Iana apontou para a necessidade não só de recrutar mais mulheres, mas de tornar o ambiente mais amistoso para a chegada delas. “Uma amiga que trabalha com testes contou que as imagens fakes são de mulheres peladas. Não se trata de levar mulheres para as empresas, mas de mudar a cultura”, disse. Gabriela, por sua vez, afirmou que uma das formas de alterar o quadro é pensar em políticas públicas.
Fechando a lacuna
Para as participantes do painel, discutir sobre o tema e compartilhar histórias é fundamental. “Temos de estar juntas, dividindo experiências, fazer mentoria para que outras não passem pelo o que passei”, afirmou uma das mulheres na plateia, uma das cofundadoras da InfoPreta.
Iana concordou e disse que é preciso aproveitar espaços como a Campus Party para fazer com que mais pessoas reflitam sobre a questão. “Temos de falar com homens e empresas, porque eles são parte da cadeia”, ensinou.