Veículos inteligentes e conectados: um ecossistema orientado a dados
Veículos autônomos e conectados irão provocar mudanças profundas no modelo de negócios dos fabricantes de automóveis e das operadoras de redes móveis

A indústria automotiva está passando por profundas transformações nos últimos anos. Essas mudanças estão sendo provocadas principalmente pelas evoluções tecnológicas, que tem possibilitado o surgimento de novos players (como a Tesla e BYD) e novos modelos de negócios. Não somente os veículos elétricos têm provocado essas mudanças, mas também os veículos inteligentes e conectados, que serão a base para os carros autônomos.
Embora, ainda consideradas tecnologias emergentes, as pesquisas em curso visam possibilitar que os veículos inteligentes e conectados possam interagir uns com os outros e compartilhar dados em grande escala, trazendo melhorias para a mobilidade e para o trânsito, inclusive, para aumentar a segurança dos meios de transporte, como prever situações que podem causar acidentes e evitá-las, assim como desviar de pontos de congestionamento e vias interditadas.
Neste sentido, a infraestrutura das redes 5G e da computação de borda (exemplo, 5G Edge) terão um papel fundamental para a expansão da utilização dos carros inteligentes e conectados. A computação de borda permite armazenamento de dados na fonte, sem necessidade da utilização plena do armazenamento na nuvem, por exemplo. Isso significa que um carro conectado poderá receber e transmitir, diretamente, dados de outros veículos próximos, de sensores de estrada e de infraestrutura, sendo habilitadores as implementações futuras V2X (vehicle-to-everything – comunicação em tempo real entre um veículo e qualquer entidade que interaja com ele), como por exemplo: a implementação veículo a veículo (V2V), de veículo para infraestrutura (V2I), de veículo para rede móvel de dados (V2N), veículo para a nuvem (V2C), veículo para pedestre (V2P), veículo para dispositivo (V2D) e veículo para Grid (V2G).
Os veículos tradicionais não conectados possuem algumas dezenas de sensores. Já os veículos inteligentes e conectados possuem um número muito maior de sensores, que cobrem todos os domínios do veículo, equipados com sistemas avançados de assistência ao motorista, conectados e cada vez mais orientados por software e aplicações baseadas em algoritmos de Inteligência Artificial.
Estima-se que os veículos inteligentes e conectados (elétricos ou não) tenham em média entre 1,4 mil e 3,5 mil chips semicondutores. Existem hoje aproximadamente 150 tipos diferentes de circuitos integrados (CIs) semicondutores, como sensores; CIs de memória; microprocessadores; CIs lógico, analógico, óptico, discreto, de potência; chips de IA; CI de aplicações específicas, dentre outros.
O volume de dados coletados, armazenados e transferidos pelos veículos inteligentes e conectados é impressionante e tende a crescer. Segundo a SAP, os carros conectados de hoje podem lidar com volumes de dados de até 25 Gigabytes por hora. Segundo estudo o banco Morgan Stanley, os veículos autônomos irão gerar até 40 Terabytes de dados por hora a partir de câmeras, radares e outros sensores — o equivalente ao uso típico de um iPhone por mais de 3.000 anos — e absorverão quantidades gigantescas e crescentes de dados.
Estudos recentes da Siemens apontam que, para um cenário no qual 20% dos 1,5 bilhão de carros no mundo se tornassem autônomos e conectados, isso geraria cerca de 300 Zetabytes de dados (1 Zettabyte corresponde a um trilhão de Gigabytes).
Segundo estudo da Counterpoint Research, em 2020, os carros conectados representavam mais de 90% de todos os carros novos vendidos apenas nos EUA, sendo que os carros com conexão 5G deverão representar mais de um quarto das vendas globais de carros conectados até 2025, o que permitirá o melhor uso da transferência de dados em tempo real e da comunicação rápida entre carros, entre outras melhorias. O estudo aponta que as vendas de carros conectados superaram a modalidade tradicional pela primeira vez em 2022 e a previsão até 2027 é de expansão de cerca de 17% ao ano, o que elevaria para 367 milhões de veículos.
Essa enorme variedade e volume de dados ajuda os fabricantes a desenvolverem veículos com melhor experiência para os usuários, bem como reduzir o consumo de energia e aumentar o nível de segurança. Ele também possibilita o desenvolvimento de novos modelos de negócios, com novos fluxos de receita, inclusive, com a oferta de produtos e serviços baseados em modelos por assinatura ou sob demanda, focados na personalização da oferta. O próprio modelo de negócios das seguradoras ou mesmo das empresas de transporte e logística será fortemente impactado.
Papel das redes móveis na era dos veículos inteligentes
Como consequência, haverá, num futuro próximo, um enorme impacto nas redes móveis, o que significa uma necessidade de pesados investimentos por parte das operadoras, inclusive para aumentar a cobertura das redes 5G Edge, com a implantação das estruturas de armazenamento de dados distribuídas.
Investimentos adicionais deverão ser feitos para a oferta de soluções de autenticação de dados, de segurança e privacidade de dados para viabilizar o crescimento do número de veículos conectados. Este será um grande desafio para as operadoras de redes móveis, não só pelos elevados investimentos que deverão ser feitos, mas também pela carência de mão de obra qualificada no Brasil para a implementação da infraestrutura e dos novos modelos de negócios que surgirão.
A segurança e privacidade dos dados é um dos grandes desafios que os fabricantes de veículos conectados, as operadoras de redes móveis e os provedores de serviços irão enfrentar, pois o crescente volume de dados pessoais que trafegarão e o aumento da integração com outros dispositivos móveis irão aumentar sobremaneira o risco de ataques maliciosos e mesmo o uso indevido de dados pessoais. Soluções robustas deverão integrar o produto desde a fase do design, envolvendo o uso de algoritmos de criptografia, mecanismos de autenticação, reconhecimento facial, uso de redes privativas (VPNs), dentre outros. A certificação da implementação de requisitos fortes de segurança e da privacidade dos dados, a partir de padrões de direito, será um requisito fundamental viabilizar a adoção em larga escala dos veículos conectados.
Uma alternativa de conectividade às redes móveis para regiões de pouco ou nenhum acesso às redes banda larga 5G é a comunicação via rede de satélite de baixa órbita. A Tesla tem apostado nesta alternativa, com a implantação da rede EarthLink da SpaceX.
No Brasil, ainda temos um longo caminho até que tenhamos as condições necessárias para a expansão da base dos carros inteligentes e conectados para fora dos grandes centros urbanos, e modo a explorarem todo o potencial de funcionalidades que estará disponível!
*Edelvicio Souza Junior é especialista em Inovação Industrial da EMBRAPII (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e professor convidado da Fundação Dom Cabral em temas relacionados com a Inovação, Internet das Coisas e Transformação Digital, onde atua em projetos de formação de liderança inovadora para executivos C-Level envolvidos em projetos de digitalização de negócios. Articulista do portal IT Forum, da IT Mídia e Advisor da plataforma ebdiflix, da EBDI (Enterprise Business Development & Information). Membro do Comitê de avaliação do prêmio 100 empresas mais inovadoras do Brasil (edições 2020, 2021, 2022 e 2023), organizado pela IT Mídia e do grupo Tudo sobre IoT. Foi membro do Conselho de Tecnologia e Inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais e da Câmara IoT, coordenada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que elaborou o Plano Nacional de IoT.
Siga o IT Forum no LinkedIn e fique por dentro de todas as notícias!