Etarismo: uma jornada em busca da melhor idade ou da pior?
Consumidores da terceira idade rejeitam representação estereotipada na publicidade

Não existe ninguém mais invisibilizado para a sociedade do que o idoso. O etarismo está presente no mercado de trabalho, nos produtos, nos serviços, nas campanhas de marketing, na indústria cultural e, até mesmo, em como nós nos relacionamos com os idosos que estão à nossa volta.
Algumas marcas atualmente colocam idosos em suas campanhas, mas, no geral, são sempre corpos sadios, com roupas modernas e que são adeptos das novas tecnologias. Mas será que essa é mesmo a realidade das pessoas da terceira idade? Será que eles se sentem verdadeiramente representados quando são apresentados assim? Existe também a opção de serem caracterizados de maneira extremamente estereotipada, como se fossem apenas “fardos”.
A verdade é que, assim como pessoas de qualquer faixa etária, os idosos são pessoas que contam com dificuldades e com diversas características excepcionais, assim como qualquer pessoa de outra idade. Todos nós fomos crianças, mas apenas os que tiverem sorte viverão para se tornarem idosos. O problema é que parecemos nos esquecer disso na hora de tratar e retratar essa faixa etária na sociedade.
Leia também: Com grande poder vem uma grande responsabilidade
Desde o primeiro artigo para essa coluna, insisto para que as equipes não só se apoiem em dados para conseguir aumentar o escopo de diversidade e pluralidade de seus produtos e serviços oferecidos, mas também em pessoas que tenham um olhar aberto para isso. Ao ver os rumos que muitas empresas estão traçando para alcançar a sonhada digitalização, fica cada vez mais claro que as faixas etárias mais altas acabam, frequentemente, sendo deixadas de lado na hora de otimizar a maneira de se relacionar com seus públicos.
Estou vivendo um pesadelo pessoal, que ajuda a exemplificar bem como uma visão plural está em falta, especialmente quando falamos em digitalização dos serviços. Meu pai, um senhor de mais de 75 anos, teve um AVC recentemente, que causou a paralisação de grande parte do seu lado direito. Para a família, esse período já está sendo traumatizante e estressante por si só, mas, ao tentar conseguir reembolso em seu plano de saúde, fomos bombardeados por um um outro nível de preocupações desnecessárias.
A política de reembolso do plano de saúde funciona da seguinte forma: o segurado instala o aplicativo do plano, realiza a biometria facial e escaneia o documento de identidade. Tudo isso por conta própria. E, segundo o convênio, esse novo processo é mais seguro e evita fraudes. Você que está lendo até agora, talvez não tenha encontrado nada de errado e concorda que realmente é uma grande sacada, mas, como alguém acostumada a pensar em diversidade, vão aqui algumas questões que passaram imediatamente na minha cabeça ao analisar a nova medida:
- Estamos falando de um plano de saúde, logo a pessoa enferma pode não estar em condições de pedir o seu próprio reembolso. Em casos como a pessoa estar em coma, em estado vegetativo, ter tido uma queimadura na face que impeça o reconhecimento pela biometria, ou outra condição física diferente das já citadas, o segurado já não poderá realizar esse trâmite.
- No cenário mais triste, a pessoa pode ter falecido.
- A pessoa pode ser idosa sem o menor traquejo tecnológico e não ter familiares que vivam próximos, mas que sempre puderam tomar essas providências a distância graças aos meios tecnológicos.
- A pessoa, idosa ou não, pode ter conhecimentos digitais mínimos, que eram o suficiente apenas para carregar no site NF e relatório médico. Agora, sem saber como tirar foto de documento em um bom ângulo, sem reflexo e com o rosto ajustado corretamente para biometria, esse segurado também não poderá realizar o processo do reembolso.
Poderia continuar infinitamente com essa lista, mas, de verdade, para um plano de saúde, apenas o primeiro e o segundo ponto já deveriam ser suficientes para não avançar com o projeto. Infelizmente, nada é tão ruim que não possa piorar. Passada a dificuldade com a biometria, existe a parte no qual é necessário colocar seu documento. Os únicos documentos aceitos são RG e CNH, nada mais.
Veja mais: O mundo mudou, mas você escutou?
Conheço outras pessoas que também são clientes do mesmo plano, e, para muitos deles, essa política ainda não mudou. O que me leva a crer que está em fase beta. Volto aqui para falar sobre informações e dados, a seleção para os segurados que iriam testar o novo formato foi aleatória? Porque não me parece muito coerente que em um plano no qual alguém de 76 anos seja o titular esteja passando por esse teste, enquanto as pessoas de 20, 30, 40, 50 anos ainda não foram impactadas com a mudança. E, claro, testes estão aí exatamente para isso, mas sendo assim, deveria existir um direcionamento claro sobre feedback e de garantir que o cliente consiga solucionar seu problema, retornando-o para a versão original e usando essas experiências para aprimorar o serviço ou produto já com outros pontos em mente.
O foco da digitalização deveria sempre pensar em facilitar a vida do usuário e não poderia ser excludente. Por esse motivo, é necessário que exista alternativas claras para quem não consegue utilizar essas ferramentas. É muito diferente de serviços que já nasceram nativos digitais e que são predispostos a atrair um público que é conectado e que escolhe resolver todas as suas atividades em um ambiente 100% digital.
Conhecer nosso público é fundamental, mas abrir a mente para entender que nem sempre a nossa realidade é igual à do próximo, é essencial! O que é bom e prático para nós, pode ser extremamente complicado para o outro.
Siga o IT Forum no LinkedIn e fique por dentro de todas as notícias!