Se a indústria já é 4.0, não está na hora do capitalismo se tornar 2.0?

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8:27 am - 08 de maio de 2017

Um grupo de trabalhadores oprimidos se rebela contra as máquinas que estão roubando seu sustento e ameaçando seu estilo de vida. Pode até parecer uma cena retirada de um filme de ficção, mas na verdade essa é uma breve descrição do luddismo, movimento operário inglês ocorrido no início da revolução industrial, no século XIX.

Alguns argumentam que o foco do luddismo não eram as máquinas em si, mas as condições as quais os operários foram submetidos após a chegada delas. No fim, o luddismo terminou de forma trágica, atropelado pelo progresso e pelo exército que foi às ruas para capturar e executar aqueles que destruíssem as máquinas que, na verdade, pôde-se observar depois, abriram as portas para a criação de mais empregos no país, contribuindo para seu desenvolvimento econômico e social.

Por volta dos anos 50, no entanto, uma nova revolução começou a se formar. A Era da Informação estava nascendo e, com ela, o início da robótica. E, enquanto a revolução industrial introduziu as máquinas e criou as fábricas, a robótica as tornou mais eficiente e cada vez mais independente dos seres humanos. Com isso, os trabalhadores, que já haviam se adaptado à realidade de operadores de máquinas, se viram mais uma vez ameaçados. Entretanto, novamente, as máquinas trouxeram crescimento econômico e novos oportunidades de empregos, desta vez, mais qualificados.

Por mais automatizado que a produção tenha se tornado, todo processo sempre está sujeito a falhas e imprevistos, que continuaram acontecendo. Surgiu então a seguinte questão: e se até mesmo tais falhas pudessem ser cuidadas e evitadas pelas próprias máquinas? Essa é a Indústria 4.0, termo criado em 2011 para definir quando o processo produtivo se torna tão conectado e inteligente que consegue lidar até com suas imperfeições, aumentando assim a eficiência e a qualidade da produção e reduzindo seus custos.

Paralelo à Industria 4.0, outras tecnologias disruptivas continuam a evoluir e começam a afetar áreas que antes estavam relativamente a salvo das revoluções tecnológicas. Esse conjunto amplo de tecnologias, como internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), mobilidade, computação em nuvem e inteligência artificial, que estão alterando a forma como as empresas se relacionam com seus clientes, operam seus processos e, até mesmo, mudam seus modelos de negócio, é o que chamamos de Transformação Digital. O movimento é muito amplo e impacta simultaneamente vários setores da economia.

Segundo dados do Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos, o emprego mais comum no país é o de vendedor de loja. Já é possível, porém, sentir o impacto do avanço do comércio eletrônico nesta área por meio da diminuição de consumidores nas ruas e, consequentemente, no aumento de vacância de lojas, que está atingindo níveis recordes tanto no país. Por isso, existe um grande medo de que as novas tecnologias de transformação digital afetem o equilíbrio entre trabalho e consumo, levando todo o sistema capitalista a uma condição de instabilidade.

Existem diversos debates sobre como a força de trabalho será redirecionada para novas atividades, permitindo, inclusive, que as pessoas tenham mais tempo livre para dedicarem-se ao lazer. O problema com essa visão é a necessidade de um equilíbrio entre o número de vagas abertas e o de empregos extintos, principalmente quando algumas tecnologias podem reduzir em até 80% o número de postos de trabalho tradicionalmente ocupados pela classe média. Além disso, para que se possa utilizar o tempo livre em atividades de lazer, é preciso ter recursos financeiros disponíveis para pagá-las.

Recentemente, Bill Gates sugeriu a criação de impostos sobre robôs que estejam substituindo seres humanos. O intuito, segundo ele, seria de criar um fundo para investir na recapacitação da força de trabalho, qualificando-as para assumirem diferentes ocupações. Em paralelo, esses impostos reduziriam a velocidade da adoção de novas tecnologias, permitindo, com isso, que o mercado tenha tempo hábil para se adaptar a esta nova realidade.

Diante de todas as previsões e possibilidades, é preciso ter em mente que o futuro é incerto e que, para sobreviver a ele, será necessário se adaptar às inovações tecnológicas, sem a utilização de subterfúgios que tentem compensar o desequilíbrio econômico existente com medidas artificiais que apenas mascaram seus sintomas. Afinal, se a indústria agora é 4.0, provavelmente o modelo econômico vigente precisará ser revisitado e atualizado para um Capitalismo 2.0.

* Martin Seefelder é gerente sênior da Deloitte Brasil

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